Kafka meets Orwell na Romênia

Um fragmento do programa “Războiului Sfârşitului Săptămânii” (“A Guerra do Fim de Semana”) da Rádio Guerrilla, apresentado por Iulian Tănase, Mitoş Micleuşanu e Lavinia Iancu, que foi ao ar no dia 25 de junho de 2016.

Iulian Tănase: Encontrei no Facebook, uma história escrita por um cara, Mugur Muraru, que estava na fila na ANAF [Agência Nacional de Administração Fiscal], foi lá para resolver algo. E lá, testemuhou uma cena, uma discussão entre um sujeito, inevitavelmente suado, claro, porque lá o calor era grande, e uma funcionária do guichê de atendimento. O cidadão precisava de uns documentos, apresentou a carteira de identidade e a senhora funcionária diz: “Sinto muito, esse aqui não é o senhor.”

Mitoș Micleușanu: Rá, rá, rá.

I.T.: “Como assim minha senhora, não sou eu? Olhe aí minha identidade, veja a prova”. “Não, o senhor não se parece com esse daqui da foto”. E o cara, exasperado: “Minha senhora, lá se foram dez anos, lógico, meu cabelo caiu, também apanhei muito quando era criança…, claro que não pareço mais com o que eu era antes”. E ela: “Senhor, isso é problema seu, não me interessa. Não posso liberar o atestado que o senhor solicita com base nesses dados.”

M.M.: Nossa!

I.T.: Então, o sujeito não correspondia mais com o da foto.

M.M.: Que coisa!

I.T.: Em dez anos as pessoas podem mudar bastante fisicamente. Para os homens, primeiro vem logo a calvície.

M.M.: Sim.

I.T.: Até pode-se perder o cabelo em menos de dez anos.

M.M.: Outros podem trocar de sexo…

I.T.: Aí o cara começou a xingar geral, ficou muito nervoso: “País de desgraçados, não sei quê”, não posso dizer no ar o palavrão que ele usou, “Isso é esculhambação, país de…”

M.M.: Enfim, começou a… certo.

I.T.: E a inspetora, nervosa, jogou a papelada no  chão.

M.M.: Opa!

I.T.: E o cara cada vez mais irritado, então apareceu um policial, um que ficava por lá pela ANAF.

M.M.: Ai, ai!

I.T.: E o policial disse: “Senhor, acompanhe-me”.

M.M.: E tudo se transformou como naquele filme inglês Exit House, também lá é mais ou menos assim que começa

I.T.: Vê só, aí o cara diz ao policial: “Senhor, eu estou desde às 8 na fila. Daqui não saio enquanto não resolver meu problema!”. Pudera, o sujeito estava furioso, suado e cansado, porque vivia na  Romênia e isso já dá muito trabalho. O policial diz: “Fique o senhor sabendo que vou multá-lo”. E o cara diz: “Ei, não pode. Se essa senhora diz que eu não sou a pessoa da carteira de identidade significa que o senhor não tem como me multar”.

M.M.: Rá, rá, boa!

I.T.: Muito boa, e o policial agora tinha que resolver um problema de lógica. “Pois saiba que se eu multo esse cidadão”, disse ela para a inspetora, meio atrapalhado, “Saiba que se eu multo o cidadão, então estou certificando o fato de que esse senhor é realmente quem ele diz que é”. E ela: “Não me interessa”, a inspetora continuou sustendando sua posição de recusa. E o policial: “Senhora, eu, como representante de uma instituição do Estado, dou fé que ele é mesmo ele. Compreende?”.

M.M.: Rá, rá, rá!

I.T.: A mulher agora é quem estava contra a parede. E o policial pergunta ao sujeito, ao revoltado: “Portanto, aplico-lhe uma multa ou não?”.

M.M.: Meu Deus!

I.T.: E o sujeito, o cidadão diz: “Se o senhor me dá uma multa, então está claro que eu sou eu, não é?”

M.M.: Rá, rá, rá.

I.T.: Pois foi, Kafka total, é até o nome do post, ‘Kafka meets Orwell’ ou ‘Orwell meets Kaka’.

M.M.: Caso real? Quem foi que passou por essa?

I.T.: Um cara.

M.M.: Recentemente?

I.T.: Sim, um cara relatou essa história dia desses.

M.M.: Muito boa.

I.T.: Então o policial: “Seu eu multo o senhor, resolvido”. “Então eu quero multa, diz o sujeito, pode me multar”

M.M.: Rá, rá, rá!

I.T.: Então o policial preenche a multa, isso na frente do guichê.

M.M.: Oh, my God.

I.T.: E a senhora inspetora, agora fula da vida. E o cara, o multado, diz: “Eu não lhe disse, minha senhora, que eu sou mesmo eu? Agora me dê aí essa papelada para eu assinar”. Portanto, praticamente o cara pediu para o policial dar-lhe uma multa para resolver o problema no guichê de atendimento, porque aquela senhora bateu o pé dizendo que não, que ele não era a pessoa do documento.

M.M.: Isso é coisa de filme, mas se você vê isso num filme vai logo dizer que é forçação de barra, que é exagero.

I.T.: Exatamente, por isso Puiu, Mungiu, Porumboiu e outros diretores fazem sucesso. Porque têm histórias para contar, porque tem acesso a histórias como essa que parecem de fato surrealistas.

M.M.: Sim, mas que podem ser muito, muito verdadeiras, e são mesmo verdadeiras.

 

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