ERA MELHOR NA ÉPOCA DE CEAUȘESCU? DEPENDE DO PONTO DE VISTA.

Por Adrian STĂNICĂ

Dilema Veche nr. 826 (19 de dezembro 2019 – 2 de janeiro 2020)

Éramos muito mais próximos uns dos outros. Naquele tempo, quando ficávamos na fila, dez pessoas se acotovelavam por metro quadrado. As milhares de horas por ano passadas em filas eram mais que suficientes para você chegar a conhecer todo mundo do bairro. Hoje em dia, quem mais conhece os vizinhos? 

Éramos mais bem adaptados às condições do ambiente. De noite, nas ruas, nossos olhos não eram incomodados pela iluminação pública. Aprendíamos a nos orientar no escuro, a apreciar as noites de lua cheia. Isso me estimulou a aprender as fases da lua. Hoje em dia, quem ainda sabe andar no escuro?

Com a falta de água quente, o jeito era tomar banho com água fria (quando havia), que faz muito bem ao organismo. O frio das casas nos deixou mais resistentes. Agora, a prefeitura tenta de novo nos educar, cortando sistematicamente o fornecimento de água quente e de aquecimento geral – mas esquecemos de nos adaptar. Ou talvez perdemos a consciência cívico-comunista.

Com os ônibus superlotados aprendemos a prender a respiração por mais tempo. E a resistir – cinco, seis pessoas – na escadinha de acesso dos ônibus, bondes e trólebus. Para onde foi a solidariedade humana? E quem preferisse não exercitar suas qualidades de dublê de filme de ação embrenhando-se no transporte público podia ir a pé. Dezenas de quilômetros. Mantendo contato com a terra mesmo, pois o asfalto não era lá essas coisas. Voltando a pé várias vezes da Universitate até Balta Albă, quando os trólebus não circulavam por falta de energia, atravessávamos os velhos bairros de Bucareste que viriam a ser demolidos. Entre buldôzeres e escavadeiras, pela lama sem fim, aprendíamos a ser mais atentos passo a passo. Seguindo a estrela-guia… Agora para fazer treinamentos assim só mesmo pagando, e muito.

E por falar em trânsito… Hoje em dia, o tráfego em Bucareste é de matar. Os quase dois milhões de veículos bloqueiam tudo, sair de carro diariamente é um fator significativo de stress. Vocês lembram como era nos anos 80? Com menos de cem mil veículos circulando? No inverno, pelo menos, quando não se podia transitar, todo mundo andava no meio da rua. Talvez a culpa seja nossa. Agora podemos comprar um carro num piscar de olhos. Naquela época tínhamos mais tempo de reflexão. Cinco anos para ser mais exato, do momento em que assinávamos o contrato para a aquisição de um Dacia até quando chegava o dia de receber o automóvel.  

E as pequenas alegrias da via? Foi-se o tempo… O êxtase que sentíamos quando comprávamos um quilo de carne depois de vários dias esperando na fila, depois passando em meio a multidão invejosa que comia com os olhos o pacote de carne que levávamos segurando acima da cabeça como um troféu precioso… Campeões. É bem verdade que os invejosos também agiam naquela época, assim como hoje. Em 1986, saindo da fila da carne dos açougues do Bulevardul Muncii, meu pai tentava com dificuldade passar pela multidão. Enquanto segurava com as mãos para o alto o quilo de carne enfim recebido após longa espera, sentiu que um cidadão lhe surrupiava o relógio de pulso. Era tanta gente que não deu para evitar o furto e nem identificar o ladrão. Mas, conseguiu proteger bem a carne. É um sinal de que aquele tempo também nos ajudou no sentido de tomarmos decisões importantes e com rapidez.

Ainda sobre alimentação. A comida era mais racional e sem aditivos. Na verdade, nem existiam aditivos, e às vezes o que não havia era a própria comida mesmo. Tenho muitas dúvidas sobre essa suposta falta de aditivos. Aqueles camarõezinhos vietnamitas (SongLo și BenGhe) que sempre sobrava nas lojas de alimentos eram difíceis de engolir, e isso se você tivesse com o que prepará-los. Porque o óleo, coitado, foi o primeiro produto a entrar no racionamento. E no verão de 1989, em Costinești, na Terasa Tineretului, se você pedisse carne de porco com batata frita, recebia fiambre sintético com camarão. Sinal de internacionalização, provavelmente.

Contudo, de beber se achava para ninguém ficar sem brindar. De vinhos feitos com “uvas químicas” a prateleiras com vodca russa, polonesa, conhaque albanês, rum cubano. O negócio era deixar o povo animado. Talvez até haja uma ligação de causa e efeito entre o desaparecimento das bebidas nas lojas e a queda do regime pouco tempo depois disso.

A liberdade de roubar, patrioticamente, no local de trabalho era um outro costume que se perdeu com o tempo. Quase todo mundo levava algo para casa. Ao menos um parafuso, uma tampa de arame, o que fosse. Conheci nos anos 90 um soldador que estava bem irritado com o fato de não mais poder trazer para casa sacos de cimento (utilizados, em tese, para cimentar buracos de sonda). No tempo do ditador, ele fez o muro da casa com esse material. E hoje em dia? Tudo bem, o salário é bem melhor do que então, mas, ter que pagar por cimento é uma desvantagem.

Antes você conseguia conhecer o país. Como eram bem poucos os que podiam ir ao exterior, na época de férias ou dias de folga podia-se viajar para qualquer lado dentro da Romênia. E admirar como, pouco a pouco, nos anos 80, todos os centros em todas as cidades tinham o mesmo aspecto, uma vez com a demolição das zonas históricas. Para que perdermos tempo com outros países?

Você aprendia a trabalhar. No lugar dos outros. Eu trabalhei no campo quando estava no ensino secundário, no exército e também na faculdade. Eu vi como as políticas do Camarada Ceaușescu separavam tudo que era de melhor qualidade para exportação enquanto o resto permanecia para consumo interno. É bom ver de pequeno a maneira como somos tratados pelos nossos governantes.     

E o Partidão nos preparava para a vida. Ele cuidava da gente. Cuidava de você. Processo eleitoral? Dezenas de candidatos? Muitas mentiras na campanha? Não tem ideia em quem votar? Esses problemas não existiam! Só havia um único candidato, que, mesmo com a sua abstenção, acabava eleito. Provavelmente você era um entre os 0,13% que não votavam, porque qualquer representante obtinha mais de 99%.

E sem falar que, se você passasse pela gigantesca competição por um liceu bom, aos 14 anos, se resistisse na segunda etapa, aos 16, e conseguisse entrar na faculdade, tinha emprego garantido. O Partidão alocava você em algum setor.  Sim. Trabalho certo, semelhante a um servo da gleba. Depois de estabelecida “A lista das 18 cidades proibidas”, as alocações se davam, por meritocracia, claro, pelos seguintes critérios (por ordem de importância): em aldeias onde o trem para, em aldeias onde se ouviu falar de trem e, por último, em aldeias onde ninguém nunca ouviu falar de trem. Depois de você chegar lá, era difícil sair. Transferir-se para uma cidade decente era um sonho distante para muitos. Em 1988 aboliu-se a dupla alocação. Ficamos receosos… Mas hoje, muitos canais de televisão organizam concursos em selvas e ilhas desertas. Então…

E você aprendia que pode fazer qualquer coisa. Qualquer coisa que Ceaușescu quisesse, evidentemente. Sem fundamentos lógicos, contrariando o bom senso econômico e social. Análise de custo-benefício? Ideia de produzir algo que traga valor e que crie uma demanda? Não, isso entrava em contradição com as visões do grande Condutor.

Roupas? Poucas, e quase todas iguais. Livros? Poucos títulos, aprovados pala censura comunista. Filmes? Música? Não oficialmente e sim por causa da revolução que foi o surgimento dos videocassetes, do comércio de fitas pirata, da rádio Europa Livre… E ainda assim porque uns sujeitos mais esclarecidos faziam vista grossa.

Muito estresse com o Natal e festas de fim de ano? Das propagandas? Dos programas idiotas na televisão? Nada a ver. Naquele tempo isso não existia. Papai Noel nunca vinha – ao menos não legalmente. E a estupidez na TV era de outra ordem, com origem conhecida e controlada.

Liberdade? Capacidade de pensar, de falar, de fazer o que sonhávamos? Para que precisamos disso? Para isso precisamos pensar, trabalhar, respeitar nossa palavra.

E tem muito mais: a humilhação dos que moravam no interior e que nos pediam para lhes comprar pão, porque tínhamos carteiras de identidades emitidas na capital. Os dez anos em que, enquanto aluno nas escolas próximas da Usina “23 de Agosto”, tive que ir logo cedo esperar o Camarada, que vinha em visita de trabalho. As pessoas que eu via indo e vindo como longos rebanhos, devagarinho, partindo para os ensaios no estádio (também chamado “23 de Agosto”). Pobres coitados, mas sem dar um pio, escondendo tudo na alma.

Arrependimentos? Que vivi os fabulosos anos 70 e 80 na parte errada do Muro. E, talvez, pelo fato de que agora não tenho trinta anos a menos, a idade que eu tinha quando a ditadura acabou.

Adrian Stănică é pesquisador do Instituto Nacional de Geologia Marinha GeoEcoMar e jornalista de ciência.

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