EU TAMBÉM VIVI NO COMUNISMO — III

Foto: Andrei Pandele

Livro editado por Ioana Pârvulescu  

(Bucareste: Humanitas, 2015; 401 páginas)

Missão não cumprida. Tenho 9 anos de idade. Cresci num bairro que ficava no fim da Calea Victoriei, entre o Palácio da Justiça e o Mosteiro de Antim. Havia muita amizade entre as crianças judias e cristãs, passávamos os feriados religiosos juntos, tanto na igreja quanto no shul (sinagoga). Escola primária, 3ª série. O diretor da escola chama as crianças judias na secretaria. Ficamos encarregados de realizar uma tarefa da mais alta confiança: ir às duas igrejas da vizinhança na noite da Ressurreição e fazer uma lista dos colegas de classe, junto com seus pais, que estavam na missa.

Não levei a sério o negócio. Nem disse nada aos meus pais. Veio a segunda-feira e o diretor nos convoca novamente. Desta vez um por um. Pediu-me a lista. Eu lhe disse que não fui à igreja. “Mentira, você foi!” gritou o diretor.  “Não senhor, não fui”, disse uma vez mais e fui escorraçado da secretaria. Meses depois, organizaram-se as admissões dos pioneiros. Fui um dos poucos da turma a ter a admissão adiada para a próxima sessão. Nunca tinha me passado pela cabeça que havia uma ligação entre aquela missão não cumprida e o comunismo. (R.F.A.)

Presentes. Chegamos num ponto em que esperávamos ansiosamente, como um cachorrinho de Pavlov, por todas as celebrações da família (aniversários, casamentos, batizados, Natal, Páscoa, Ano Novo). Nem tanto pelas festas em si, mas pela presença do Senhor Doutor, nosso tio. Uma presença benfeitora, é claro, no sentido figurado, só que também da maneira mais concreta possível. Não víamos a hora do fim da festa para que pudéssemos esquadrinhar livremente os pacotes que ele trouxera. Aquela inspeção das sacolas de presentes depois que os convidados iam embora era algo apoteótico!

O pacote de Kent era o primeiro a ser aberto (isto é, se não estivesse já prometido inteirinho a algum médico) e — para meu desgosto — os dez maços eram distribuídos rapidamente (para o encanador, o administrador, o farmacêutico, a diretora dos correios), os dois pacotes de café Amigo (o moído e o solúvel) ficavam reservados para emergências médicas, o perfume e os sabonetes eram destinados ao corpo docente… e por aí vai. O que guardávamos para nós com sagrada responsabilidade eram os pacotinhos de mortadela, bacon e salame da fábrica de embutidos de Glina, onde o Doutor tinha um paciente que lhe devia uns favores. As fatias eram cuidadosamente contadas com antecedência, de modo que sabíamos para quantos cafés da manhã renderiam na semana seguinte. (D.C.M.)

Páscoa de 1986. Tive a oportunidade de esquecer por um tempo da geladeira vazia da minha casa, na cidade, durante a Páscoa daquele ano, quando uns vizinhos de Rășinari me chamaram para passar alguns dias com eles no seu vilarejo. Foi mesmo um domingo de Páscoa maravilhoso, sentados à mesa, no pátio, à luz do sol, rodeados de guloseimas: pască, drob, carne salgada, bife, queijo, ovos vermelhos, etc. Devo admitir que, sendo criança naquela época e sem me preocupar com o que ia comer, algo que afligia os meus pais diariamente, me pareceu absolutamente normal ter toda aquela comida na mesa num dia de festa. Meus pais tinham ficado em casa e eu imaginava que também comeriam algo semelhante por lá. As festas precisavam ser devidamente celebradas, e lembro de minha mãe abrindo o freezer (nos dias importantes) para fazer o inventário dos poucos quilos de carne, dizendo para si mesma: “Isto é para a Páscoa, isto é para o Natal, etc.”.

Porém, naquele ano de 1986, não foi bem assim. Quando cheguei em casa, ouvi primeiro ouvi o boato de que uma usina atômica (Chernobyl) havia explodido em algum lugar na terra dos “nossos amigos” da União Soviética, e que tínhamos feito muito mal ao almoçar ao ar livre no pátio.

Mas o choque ainda maior foi quando abri a geladeira e vi a mesma mostarda, o mesmo vidro de gordura e só. Senti minha raiva aumentar, inclusive em relação aos meus pais, que me explicaram rapidamente que simplesmente não tinham conseguido encontrar nada melhor naquele ano. Minha mãe, para me animar, ofereceu-se para fazer umas batatas fritas para mim, já que ela tinha óleo. (C.C.)

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