VOCÊ AINDA ESCOLHERIA A CARREIRA DE POLICIAL?
do livro “FLASH-URI DIN SENS OPUS” (“PISCA-ALERTA NO SENTIDO CONTRÁRIO”)
(Bucareste: Curtea Veche, 2016; 192 páginas)
Frequentemente me perguntam o que eu faria se pudesse voltar atrás no tempo. Ainda seguiria a carreira de policial ou escolheria outra coisa?
Talvez agora eu seja subjetivo, mas creio que a profissão de policial é um dos ofícios mais bonitos e complexos que existe.
Lembro do meu primeiro dia de serviço. Dez formandos tinham sido alocados na Polícia de Trânsito de Brașov. Durante uma semana não nos colocaram para trabalhar efetivamente na rua. Tínhamos que frequentar uma espécie de treinamento, onde nosso chefe de então nos preparava para o trabalho de campo.
Na escola, a minha professora de geografia, quando ouviu que quero ser policial, falou-me que é uma pena eu seguir esse caminho, que é um sistema miserável e corrupto. Disse-lhe que eu não vou me corromper e então ela começou a rir.
– Marian, nem estou dizendo que você quer ser policial para fazer malandragens, mas o sistema te transformará e te modelará e você nem vai notar. No fim, ou você se tornará igual a eles ou então será eliminado.
Naqueles treinamentos que mencionei acima, o meu pensamento voltava para a professora de geografia. Explicavam-nos não sei quantas vezes o que significa ser um garoto “orientado”. O que quer dizer “se orientar”? Significa olhar bem para a pessoa que você para no tráfego. Se a pessoa tinha uma certa posição, algo, se fosse um figurão… você ainda poderia deixar de dar a multa… porque, lógico… não fazia sentido procurar sarna para se coçar. Portanto, meus garotos, se orientem! Essa era a palavra-chave e nem creio que exista algum policial na Romênia que não tenha ouvido esse termo “se orientar”.
Passaram-se os dias de explicações sobre o que significa se orientar e caímos na rua. Enfim nos colocaram em campo, para aprender como é o trabalho na prática. Como disse antes, éramos dez jovens recém-saídos da academia. Cada um foi designado para trabalhar num cruzamento diferente, sem viatura, sem talão de multas. Nem era o caso de controlar o tráfego, porque nós nem isso sabíamos. Só bastava ficarmos ali e nos mantermos à vista. Estávamos no fim de dezembro e, depois de trinta minutos ao ar livre, você literalmente congelava. Essa era a visão dos chefes no ano de 2006, mandar dez policiais de trânsito para a rua, ficar nos cruzamentos e não fazer mais nada a não ser congelar. Depois do terceiro dia, comecei a me arrepender da escolha que tinha feito. Embora eu me agasalhasse da forma mais consistente possível, depois de uma hora em pé, no frio, ficava roxo. E nem tinha por que reclamar, esperava já passar por momentos como esse, mas só quando fosse realmente imperativo, não dessa forma, como aquecimento. Quando perguntei porque não nos mandam sair com viaturas, começaram a rir e nos contavam de como era quando eles tinham entrado para a polícia, de só terem encostado o dedo numa viatura depois de não sei quantos anos. Que mentalidade atrasada… como se tivesse importância a maneira como tinha sido no tempo deles. Enfim, topei várias vezes com esse tipo de mentalidade ao longo desses nove anos.
A fase de aquecimento também passou e recebemos talões de multas. Não demorou muito, me deparei com o primeiro caso no qual fiquei sem saber como me orientar. Para ser sincero, eu não quis me orientar. Fala-se que a lei é como uma cancela que consegue barrar apenas os idiotas, enquanto os espertinhos passam por cima ou por baixo dela. Eu não teria conseguido dormir tranquilo sabendo que, depois de multar um aposentado, um trabalhador ou um taxista, deveria deixar em paz alguém que incorrera na mesma infração, mas que era intocável devido à posição que ocupava. Coloquei na minha cabeça que nunca faria uma coisa dessas.
A filhota de um figurão local tinha virado à esquerda por cima da faixa contínua, na minha frente. Disse-me quem era e que estava com pressa. Vendo que não me interessava saber de quem era filha, perguntou-me se precisaria dar um telefonema. Ignorei-a e apliquei a multa, e, quando devolvi-lhe os documentos, não quis recebê-los. Arrancou o carro à toda me dizendo que eu lhe entregaria os documentos pessoalmente em casa e com um pedido de desculpas. Cheguei no departamento, onde o chefe já tinha sido devidamente informado.
– Por que você multou a garota? Ela não te disse quem era?
– Disse sim, mas só que ela virou à esquerda por cima da faixa contínua, e por pirraça, porque tinha me visto ali na zona.
– E daí? O mundo vai se acabar só porque ela virou à esquerda? É algo assim tão grave? Uma porrada de gente faz isso e você foi multar logo ela?
– Se ela fizesse algo mais grave, com certeza a multa também seria mais grave. A multa aplicada corresponde exatamente à infração cometida.
Saí da sala do chefe consciente de que ele vai achar que eu sou um tapado. Depois de outros casos do tipo, nem mais se davam ao trabalho de me chamar. Entenderam que eu sou meio bronco e que comigo não ia ter conversa. Mas nem por isso eu era bem visto. Os colegas sempre me diziam para eu ter cuidado, porque os chefes vão ficar de olho em mim.
– Marian, você tá procurando sarna para se coçar!
Essa era a frase que eu mais escutava.
Acontecia de eu parar um espertalhão que, ao ver que não me interessa o que ele mais possa ser além da condição de motorista, sacava o telefone e ligava para o departamento. Provavelmente telefonava para um dos meus chefes, porque a conversa era assim:
– Saudações, olha,um dos teus rapazes me parou aqui, mas disse que não quer falar no telefone com ninguém. Não sei o nome dele… como é teu nome? Diz aí de novo!
– Godină!
– Godină é o nome dele.
Depois de transmitir meu nome a conversa encerrava-se bruscamente, e eu só posso deduzir qual era a réplica.
– Ah… Godină… esse aí é meio tapado. Não posso te ajudar.
Embora eu fosse como um espinho, essa história com sarna para se coçar falou a meu favor no fim das contas. Recentemente, o Departamento de Trânsito de Brașov foi dizimado pelo Direção Nacional Anticorrupção, que levou a julgamento doze agentes da polícia, com o chefe do Serviço de Trânsito encabeçando a lista. Todos foram condenados definitivamente e, consequentemente, exonerados. Perderam o emprego para o qual tinham trabalhado tanto quanto eu, porque tinham escolhido o jeito mais tranquilo e sem querer criar problemas no serviço. Não quiseram entrar em conflito com o chefe que telefonava para eles dizendo para aliviar a barra de fulano ou sicrano. Ainda que sejam legalmente culpados, eu procuraria a culpa um andar mais acima. Se o chefe liga para você e dá a entender que você não deve multar o motorista à sua frente, que fazer? Você deixa o orgulho de lado e libera o cara, pensando nos teus filhos em casa, ou você procura sarna para se coçar e vira uma espécie de inimigo deles? É dura a escolha. Especialmente para os meus colegas de mais idade com família para sustentar. Eu optei pela segunda alternativa e só eu sei por quantas já passei por conta disso.
Lembro-me que o chefe da Polícia de Brașov tinha feito uma lista com alguns agentes que seriam transferidos da Polícia de Trânsito. Eu com certeza estava naquela lista, e o boato que rolava era de que eu seria enviado para algum vilarejo distante. Uma lista elaborada por um chefe que nunca pisou na Escola da Polícia ou na Academia de Polícia. Foi nomeado diretamente, por fonte externa, tendo formação acadêmica em engenharia. Coincidentemente, assumiu a chefia da corporação pouco tempo depois da posse do prefeito. Numa festa, dançou com a camisa desabotoada e com uma toalha na cabeça. E também por obra do acaso, a toalha era da mesma cor do partido político do prefeito. Mas o pior é que, depois que viram chefes, esses sujeitos passam a conduzir a polícia como se fosse uma sociedade comercial cujos patrões são eles próprios, chegando a usar os agentes de polícia para questões particulares. Eis aqui um exemplo: na frente do prédio da Polícia de Brașov, diariamente, de segunda à sexta-feira, um policial de trânsito fica de guarda. Qual o papel dele? Com chuva, vento ou neve, ele tem que estar presente ali desde às 7:30. Aguarda a vinda do chefe da inspetoria e, quando há necessidade, facilita a entrada do carro oficial que o traz. Quando o chefe desce do carro, o policial fica em posição de sentido e bate continência. Fui escalado dezenas de vezes para fazer esse serviço e a parte mais amarga era a de ter de bater continência, para o vazio, porque o chefe nem se dignava a olhar para mim. Depois da parte com a continência, o policial ali de serviço não faz mais nada. Em outras palavras, fica coçando o saco. Cuida para que nenhum motorista estacione como lhe der na veneta, mesmo com toda a sinalização que indica os locais proibidos, e de vez em quando ainda facilita na hora de algum chefe sair de carro, parando o trânsito para que vossa excelência não tenha que esperar. Perguntei várias vezes qual o papel daquele policial ali e a resposta era a de que o chefe quer garantias para seu conforto psíquico. Entrementes, no Departamento de Colisões existe apenas um único agente de polícia, para atender a um município com mais de 300 mil habitantes. As pessoas aguardam na fila por horas a fio. Mas parece que ninguém liga para o conforto psíquico do policial de lá e nem para o do das pessoas que ficam esperando.
Os cidadãos de Brașov também sabem que, todo santo dia, na rua Griviței, existe uma equipe de policiais que fica lá de plantão. Alguma vez alguém se perguntou por quê? Seria aquela a rua mais problemática da cidade? Nem pensar! É a zona onde mora alguém que deseja conforto psíquico.
***
Frequentemente também me perguntam:
– Você tem uma meta para as multas, tem que aplicar um determinado número de multas por dia?
Não posso responder esta pergunta com um simples “sim” ou “não”. Eu sempre considerei que o papel da Polícia de Trânsito é o de primeiramente prevenir, e não o de penalizar. Meus chefes pensam diferente. Nunca estive bem com a quantidade de multas e em todas as reuniões sempre fui chamado atenção por dar poucas multas e muitas advertências. Para que eu não desse mais tantas advertências, insinuavam que eu advirto com algum objetivo, que eu levo algum por fora para não ter que aplicar uma multa. Era uma técnica destinada a fazer com que eu renunciasse às advertências e só aplicasse multas. Sempre aprendi a falar apenas por mim, entretanto não acredito que exista algum agente da polícia de trânsito que não tenha levado alguma bronca por não ter usado a caneta para aplicar mais multas. No fim do dia, você tem que apresentar um relatório de atividade. Não importa se você controlou o tráfego por quatro horas, que acudiu em dois acidentes, que orientou dezenas de pessoas e sei lá mais o quê. O importante é o número de multas que aplicou e ponto. No fim do ano, para receber uma qualificação, a mesma coisa. Quantas multas você aplicou nesse ano? Portanto, existe meta para multas?
Sobre essa pressão de ter que multar o máximo possível, lembro-me de uma sexta-feira. Sexta-feira Santa, antes da Páscoa. Na cidade aquela correria, agitação e muito movimento. Nesse dia pediram que ficássemos com o radar na estrada de retorno. Quer dizer, o sujeito escapa da aglomeração da cidade e, quando, finalmente, pode circular melhor, topa com o maldito radar. Parei um motorista e multei-o pela velocidade fabulosa de 81 km/h num setor onde o limite era de 70 km/h. Resolvi dar-lhe uma multa porque sempre me davam uma chamada por causa das advertências e eu já estava meio que de saco cheio daquilo. O sujeito recebeu a notificação e disse para que eu olhasse bem nos olhos dele:
– Mal sobrou dinheiro para comprar algo de Páscoa e agora me vem você com essa multa… Que Deus te dê uma Páscoa negra!
Costumo ser xingado e amaldiçoado com muita frequência. Só um ignorante faz uso de tal recurso, mas até que me esforcei para compreender esse senhor, quase como que lhe dando razão. Eu me tornei policial para ajudar as pessoas, não para lhes fazer mal. O sujeito desrespeitara a lei, é verdade, mas aquela estrada era quase que uma rodovia e me fazia crer que aqueles que fixaram aquele limite de velocidade assim o fizeram para que nós pudéssemos ficar ali com o radar e fazer entrar mais dinheiro nos cofres do município.
Liguei para o meu chefe e disse o que acontecera, que um sujeito tinha me rogado uma praga e que eu não quero mais ficar com o radar naquela zona, em plena Sexta-feira Santa e ainda por cima pelas condições de tráfico que não representavam qualquer perigo. Respondeu-me que posso procurar outro tipo de trabalho se não estou satisfeito, e, se eu tiver pena dos motoristas, que eu vire padre. Então compreendi que sou apenas um simples peão, mas pensei que, às vezes, os peões podem dar xeque-mate.
As coisas mudaram bastante depois de todo o rebuliço com a condenação do chefe da Polícia de Trânsito. Nunca mais vi algum motorista sacando o celular com toda a arrogância do mundo para ligar para quem quer que fosse. E mesmo se telefonasse, não acho que alguém se prestaria a intervir a fim se resolver a questão.
Uns dias atrás, quando eu me preparava para largar depois de ter ficado de serviço de dia, encontrei um colega. Perguntei que diabos ele estava fazendo ali na sede, à paisana, sabendo que era seu dia de folga. Disse-me que tinha recebido um telefonema do chefe, teria que se apresentar urgente ao auxiliar do chefe de inspetoria, porque tinha multado não sei quem um dia antes. Meu colega é jovem, recém-chegado da Academia de Polícia. Tive pena quando o vi assim tão assustado e preocupado. Fora convocado no seu dia de folga, só porque cumpriu com o seu dever. Eu sabia o que o aguardava, era como se eu estivesse olhando para mim próprio, oito anos antes. Achava que aquela época já estava há muito sepultada e me custava a acreditar que esse tipo de coisa ainda acontecia. Disse ao meu colega para aguentar o tranco e, se der problema, podia me ligar depois para a gente conversar.
Eu já estava em casa, à noite, quando ele me ligou. Tinha uma voz cortada, só faltou chorar. Contou-me que entrou na sala do chefe e perguntaram-lhe há quanto tempo trabalha na Polícia de Trânsito. Depois foi reclamado pelo fato de, um dia antes, ter parado um motorista que transportava pinheiros e que não estava usando cinto de segurança. Pediu os documentos do condutor, que disse-lhe que acabava de vir justamente da polícia, onde tinha entregue um ou mais pinheiros. Meu colega aplicou-lhe uma multa por dirigir sem cinto de segurança e não quis saber de onde vinha ou o que fizera por lá. Agora, a queixa era pelo modo como meu colega tinha abordado o motorista, não por ter aplicado a multa em questão. Estava claro que o rapaz não tinha falado de maneira muito educada e que foi convocado por ter multado quem não devia. Que não tinha se orientado. E mais, o chefe achou por bem explicar ao meu colega que talvez o motorista estava sem cinto para poder descer do carro mais rápido caso alguém tentasse roubar-lhe os pinheiros. Meu colega estava profundamente decepcionado, e eu tentava levantar-lhe o moral. Disse para não desistir e para não se deixar abater pelo que aconteceu. Contei-lhe uma história parecida pela qual passara com aquele mesmo chefe, alguns anos antes.
Eu estava de serviço no Departamento de Colisões. Vieram duas pessoas que tinham se envolvido numa batida e não quiseram preencher o formulário de constatação mútua. O motorista não-culpado estava disposto a resolver tudo de forma amigável, mas justo o outro era quem tumultuava o ambiente, apesar de o caso estar muito claro. Saíra de uma rua com semáforo e trombou com um veículo que trafegava pela mão preferencial. Encerrada a pendenga com o outro motorista, agora eu era a bola da vez. Falava comigo numa linguagem grosseira e se gabava de que daria uns telefonemas, que ele é um professor muito conhecido em Brașov. Preencheu uma declaração, rasgando-a depois na minha cara, estava muito alterado. Relevei o fato de que aquela declaração tinha sido comprada com meu dinheiro e xerocada com os mesmos recursos e dei-lhe outra, a qual preencheu igualmente alterado. No dia seguinte, fui convocado por aquele mesmo chefe, que me fez de gato e sapato, alegando que eu teria destratado o motorista. Não fui perguntado sobre o que aconteceu, fui diretamente repreendido, com a ameaça de ser transferido para alguma zona rural.
Nem preciso dizer que aquele motorista era grande amigo do meu chefe e se incomodou com o fato de eu ter retido sua carteira habilitação, da mesma forma que o sujeito que recebera a multa, mesmo ele tendo entregue uns pinheiros na sede da polícia. E por onde mais esse cidadão teria transportado pinheiros? Não é difícil imaginar a resposta.
Voltando à pergunta do começo, se eu escolheria novamente a carreira de policial… Com firmeza digo: sim!
Observando as evoluções recentes, tenho esperança de que os novos policiais não precisarão passar pelo que eu passei, porque as coisas começaram a mudar.
Estou ciente das dificuldades que me aguardam, mas não me passa pela cabeça renunciar ao meu ofício, e se um dia tiver que fazê-lo, sairei de cabeça erguida, orgulhoso de ter deixado uma pequena marca na história da Polícia Romena.